O crocodilo

Ao princípio da tarde decidi aproveitar a boleia deste clima ameno e mentiroso e espicacei-me a dar um passeio pedestre até à marginal.

Quando me preparava para ladear o recinto da badalada passerelle da moda que é a Feira de Carcavelos, dei de caras com um velho conhecido da adolescência, mais tarde colega na vida profissional, que não via há um bom par de anos e que sempre foi reaccionário até dizer chega; daí que cultivássemos com muita frequência, as mais variadas brigas, verbais, bem entendido

Cá está mais um recém-descartado prematuro da vida activa, murmurei eu para a abotoadura.

Depois do cumprimento urbano, a que a boa educação convida, mas para não fugir a hábitos antigos, antecipei-lhe logo uma provocaçãozinha, indagando se andava por aquelas bandas na expectativa de ver o seu excelso ex-líder da agremiação do Caldas, aliás, figura sobejamente conhecida por aquelas paragens.

Sem acusar a estocada, retorquiu-me que se tinha deslocado à Feira, à procura do crocodilo da “Lacoste” adquirida na semana anterior e que tinha desaparecido da camisa sem deixar rasto. Não contente, ainda resmungou que, nos dias que correm, já nem a contrafacção é o que era e que agora tudo é fraude…

Em face do meu sorriso zombeteiro, não disfarçou o incómodo e despediu-se pressuroso, enquanto lançava um olhar perscrutante em todas as direcções, aparentemente na esperança de avistar alguém.
Até que, finalmente, ultrapassou a cerca e desapareceu por entre um labirinto de carpetes de Arraiolos made in China e uma quantidade infindável de pares de botas, as mais, provavelmente, fruto do trabalho infantil do Vale do Ave.

É óbvio que percebi que tinha acertado na mouche e que ele deambulava por aquelas paragens, na esperança de encontrar o famoso especialista em contrafacção e antigo frequentador do meio que, segundo consta, parece querer retomar os trilhos da popularidade.

Infelizmente para o meu interlocutor, desta vez não seria possível conseguir tão almejado encontro, até porque o grande propagandista estará, certamente, a preparar-se para circular por espaços mais sofisticados e a escolher outros locais para mercadejar, com receio de que os outros feirantes não o deixem armar a conhecida barraca das ilusões, que tão má fama acarretou às feiras deste país.

Nem sequer tive tempo para lhe recomendar que esquecesse o prejuízo e aguardasse mais uns dias, porque crocodilos, com ou sem lágrimas, não vão faltar por aí, já que não é fácil secar o pântano.